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sábado, 7 de abril de 2012

Vaquinha digital.

Os sites de financiamento coletivo ganham cada vez mais adeptos – mas ainda estão longe de representar uma revolução no mundo das finanças.

RAFAEL BARIFOUSE

Como pegar um financiamento pela internet (Foto: reprodução)

A internet conectou bilhões de pessoas e permitiu a elas compartilhar conhecimento e informações numa escala sem precedentes. Ela também permitiu que, por meio dessa colaboração, surgissem produtos inovadores, baseados em métodos de produção que seriam inviáveis sem o meio digital. O primeiro – e ainda mais bem-sucedido – exemplo disso é o sistema para computadores Linux, produzido por milhares de colaboradores espalhados pelo planeta. Outro exemplo, embora de resultado inferior em qualidade, é a enciclopédia on-line Wikipédia, cujo conteúdo, gerado por milhões de voluntários, celebrizou o conceito de “inteligência da multidão” – para muitos, não sem alguma carga irônica. Inspirado nele e transferido para o mundo das finanças, tem ganhado corpo em tempos recentes o “financiamento pela multidão”, uma tradução livre do termo em inglês crowdfunding, que pode ser entendido como uma adaptação da popular vaquinha para os meios digitais. Trata-se da doação de dinheiro por meio de sites especializados em financiar projetos que dificilmente conseguiriam recursos por vias tradicionais.
Os primeiros esquemas de financiamento coletivo surgiram nos Estados Unidos há pouco mais de uma década. Geralmente liga-dos às áreas de artes, causas sociais ou tecnologia, os sites de crowdfunding surgiram para conectar artistas, escritores ou inventores a doadores interessados em patrocinar seus projetos. O funcionamento é simples. Depois de um projeto ser inscrito e aceito, o site cria uma página que descreve a ideia, quanto se deseja arrecadar e em quanto tempo. Costuma-se dar algum tipo de recompensa como incentivo aos doadores. Eles também recebem garantias de acompanhamento da execução. Se o projeto for um livro, a re-compensa pode ser uma cópia autografada ou um encontro com o autor. Ou, no caso de um filme, o direito à menção nos créditos.
A ideia de financiamento pela multidão pegou especialmente nos dois últimos anos – e o crowdfunding passou a ser visto cres-centemente como uma alternativa para levantar recursos para empreendimentos artísticos e criativos. Além de filmes, álbuns de música, livros, festivais e videogames, caixas de som sem fio, impressoras 3D e outros inventos estão em desenvolvimento por meio desse esquema de financiamento coletivo. Os sites especializados se multiplicaram. Hoje há cerca de 170 ao redor do mundo – 17 no Brasil. O modelo também está ganhando escala. O site Daily Crowdsource analisou os resultados dos oito maiores sites de finan-ciamento coletivo do mundo. Entre 2010 e 2011, o número de projetos financiados triplicou para 13.200. No mesmo período, o total doado, US$ 102 milhões (R$ 185 milhões), cresceu 266%. No momento, o Congresso dos Estados Unidos debate uma lei para regulamentar a atividade. Autor de A revolução do crowdfunding, o americano Kevin Lawton alardeia que os sites de financiamento coletivo podem se tornar um instrumento para a democratização do investimento. “O modelo atual é centralizado por bancos e fundos. Eles decidem quem merece receber o dinheiro que administram para terceiros. Mas muita gente com negócios pequenos não tem acesso a eles”, diz Lawton. “No financiamento coletivo, a internet corta o intermediário e põe o dono do projeto em conta-to com 2 bilhões de apoiadores em potencial.Qualquer um pode participar. A multidão é o mercado.”
Um dos principais impulsos para a expansão dos sites de financiamento coletivo foi o sucesso do Kickstarter, criado em 2009 por três jovens americanos, com a ideia de ser um canal de financiamento para artistas independentes. “Nos últimos 100 anos, a arte popular esteve nas mãos de grandes empresas”, diz Yancey Strickler, cofundador do Kickstarter. “Mas elas só apoiam o que dá um grande retorno. Queríamos criar oportunidades para quem não se encaixa nesse perfil.” Nos três anos em que está no ar, o Kickstar-ter ajudou a financiar 22 mil projetos. No ano passado, movimentou US$ 96 milhões (R$ 174 milhões), o triplo de 2010. Para este ano, a expectativa do Kickstarter é chegar a US$ 150 milhões (R$ 273 milhões) em financiamentos. Em fevereiro, o site registrou pela primeira vez mais de US$ 1 milhão em doações num único dia e bateu o recorde de arrecadação em um mês. As novas cifras foram alcançadas com o projeto de um game de aventura em 2D, um gênero em baixa nos últimos anos, lançado pelo americano Tim Scha-fer, fundador da produtora Double Fine. “Se sugerisse a uma grande produtora para desenvolver esse jogo, ririam na minha cara”, diz Schafer num vídeo publicado no Kickstarter. Ao colocar seu projeto no site, Schafer pediu US$ 400 mil (R$ 728 mil). Atingiu a meta nas primeiras 24 horas. Em dois meses, obteve US$ 3,3 milhões, doados por 87 mil pessoas.
No Brasil, os esquemas de crowdfunding são incipientes em comparação com os volumes movimentados nos Estados Unidos. Há 17 sites de financiamento coletivo. Alguns são voltados para projetos pessoais, como o Vaquinha, que ajudou alguns a pagar a festa de casamento ou a prótese mamária. Outros dedicam-se a causas sociais (Impulso e Let’s) ou a projetos de tecnologia (Make IT Open). Queremos e Showzasso destinam-se a músicos. O mais famoso, o Catarse, inspirou-se no Kickstarter e alavan-cou algumas das histórias bem-sucedidas de crowdfunding no Brasil, como o financiamento de R$ 52 mil para o primeiro CD da Banda Mais Bonita da Cidade, de Curitiba, autora do hit “Oração” (9 milhões de acessos no YouTube).

a mensagem (Foto: reprodução)
Outro caso de sucesso é o quarteto infantil Tiquequê, de São Paulo, que ficou um ano atrás de um patrocínio de R$ 30 mil para a produção do DVD de seu show. O grupo incluíra o projeto entre os aprovados para captar recursos pela Lei Rouanet, que permite dedução fiscal às empresas que apoiam iniciativas culturais. Mas o dinheiro só foi captado, em dois meses, depois que o projeto se inscreveu no Catarse. “Não dá para bater na porta das empresas para pedir apoio. Para conseguir patrocínio pelos meios tradicionais, é preciso a ajuda de profissionais da área”, diz a paulistana Diana Tatit, de 28 anos, uma das integrantes do Tiquequê. Desde seu lançamento, em 2010, o Catarse financiou 170 projetos. As 22 mil doações somaram R$ 1,9 milhão. “É um processo menos burocrá-tico que um empréstimo ou patrocínio. O artista também mantém a liberdade criativa, algo difícil numa grande produtora”, diz Diego Reeberg, um dos três fundadores do Catarse. “Mas tem de mobilizar muita gente e comunicar bem a proposta. Isso dá traba-lho.”

MUTIRÃO  Acima, o americano Tim Schafer, que alavancou a produção de um game em  2D por meio do site Kickstarter. Ao lado,  o quarteto brasileiro Tiquequê, que lançará um DVD graças  a doações obtidas pela internet  (Foto: David McNew/Getty  Images e Letícia Moreira/ÉPOCA )
A maior parte do financiamento coletivo ainda é revestida de um caráter de filantropia digital – uma adaptação para os tempos da internet do mecenato de artistas e inventores que existe desde a Idade Média. Será que o crowdfunding poderia ir além e se aproxi-mar do modelo capitalista, dos fundos de investimento e das Bolsas de Valores, como um novo meio de capitalização para negócios? Na Alemanha, na Holanda, em Hong Kong e no Reino Unido, há sites de financiamento coletivo em que empresas iniciantes, as start-ups, oferecem ações em troca do financiamento de seus projetos. O censo do Daily Crowdsource analisou seis sites que seguem esse novo modelo. No ano passado, por meio desses sites, 2.254 empresas captaram US$ 20,5 milhões (R$ 37,3 milhões) para seus projetos, o quádruplo de 2010. No Brasil, o Instituto Inovação, de São Paulo, tentou por um ano criar um site nesses moldes, mas esbarrou na legislação. “Quando uma empresa ultrapassa os 50 acionistas, ela precisa publicar balanço, ser auditada, ter um gestor de recursos aprovado. Isso encarece e inviabiliza o processo”, diz Felipe Mattos, fundador do Inovação.
A regulamentação do crowdfunding em debate no Congresso dos EUA tenta estimular o financiamento coletivo como uma forma de capitalização. Um projeto de lei foi aprovado na Câmara, mas sofreu alterações no Senado. Hoje, só os americanos regis-trados na comissão que regula o mercado de capitais, a SEC, podem investir diretamente em pequenas empresas. Para isso, preci-sam ganhar mais de US$ 200 mil por ano ou ter um patrimônio de US$ 1 milhão (sem contar o valor da residência). O projeto da nova lei é menos restritivo e autoriza qualquer um a investir entre 2% e 10% de sua renda anual em ações por meio de sites de fi-nanciamento coletivo. As empresas poderão obter até US$ 1 milhão em portais aprovados pelo governo. Apoiado por republicanos e democratas, o projeto da nova lei é uma rara unanimidade no Legislativo dos EUA, graças ao cenário de crédito mais escasso des-de a crise de 2008. Se passar pelo Congresso, a lei deve ser sancionada pelo presidente Barack Obama, que manifestou apoio à mu-dança.
Apesar dessas iniciativas, ainda há várias interrogações em relação à possibilidade de os sites de financiamento coletivo se conso-lidarem como alternativas aos bancos e investidores privados ou à Bolsa de Valores, para grandes projetos fora da área artística. Os esquemas de crowdfunding podem ser úteis para testar a aceitação de um projeto pelo mercado no início da captação de financia-mento. Outra vantagem do financiamento coletivo é que ele pode atrair para um projeto defensores apaixonados, que ajudarão a divulgá-lo gratuitamente.
Mas o próprio sistema de crowdfunding embute obstáculos para que ele ganhe mais escala e abrangência. Um deles é o risco de uma ideia ser copiada, ao ser colocada na internet. Outro é a natureza dos investidores que ele atrai. Investidores amadores podem facilmente entender um videogame ou um DVD, mas o mesmo pode não acontecer com produtos mais complexos, como um novo sistema avançado de computação distribuída. “Sem investidores profissionais, o empreendedor não recebe conselhos valiosos de gestão”, diz o professor de estratégia e empreendedorismo Ben Hallen, da London School of Economics. “Um projeto muda ou até mesmo fracassa. Investidores profissionais são capazes de entender isso. Mas o público pode se frustrar. Gerenciar suas cobranças exige tempo e esforço que seriam mais bem investidos no próprio negócio.” Seria um fenômeno parecido ao amadorismo que atinge a Wikipédia e outros projetos de natureza coletiva. Mesmo assim, o crowdfunding parece ser mais que uma mera moda passageira. Só que tem um longo caminho para se consolidar como uma real alternativa de financiamento.

Fonte: http://revistaepoca.globo.com/ideias/noticia/2012/04/vaquinha-digital.html

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