Caneta, papel e WhatsApp
Durante cinco dias, troquei o teclado pelo bloquinho para descobrir o que estamos
perdendo com o fim da escrita à mão
12/08/2014 - POR THIAGO TANJI
Era sexta-feira, 4 de julho, dia de Brasil x Colômbia na Copa do Mundo, e o grupo criado pelos meus amigos de infância no WhatsApp estava movimentado. Eu também queria dar meus pitacos sobre o jogo, mas tive que me conter. É que, em vez de simplesmente digitar meia dúzia de palavras ou mandar um emoji mal-educado sempre que o Fred (não) encostava na bola, precisei recorrer a outro método para me comunicar: pegava uma caneta, anotava a mensagem em um bloquinho, tirava uma foto e, enfim, enviava a imagem para o pessoal. Foi assim durante longos cinco dias. O objetivo era entender na prática o que estamos perdendo ao deixar de escrever à mão.
Uma série de estudos recentes mostrou que diferentes regiões do cérebro são ativadas com muito mais intensidade quando você escreve um texto à mão do que quando ele é digitado no teclado. Mas uma pesquisa encomendada pelo site britânico Docmail constatou que, em média, os adultos passam até 41 dias seguidos sem rabiscar nada. Ao receber as primeiras mensagens manuscritas no WhatsApp, algumas pessoas continuaram o chat normalmente, provavelmente pensando se tratar de um hábito excêntrico ou um problema com meu smartphone. Os mais chegados, no entanto, xingaram minha letra e ainda tiraram onda, dizendo que era tudo uma pegadinha armada pelos editores de GALILEU (nota do editor: imagina!).
Precisei explicar a eles que a experiência tinha fins nobres e foi inspirada no relato da designer americana Cristina Vanko, que, interessada em exercitar sua caligrafia, propôs a ela mesma o desafio de não enviar mensagens utilizando o teclado do celular durante uma semana.
Durante a experiência, Cristina enviou cem mensagens, número bem inferior à média de 500 textos trocados a cada semana por jovens americanos de 18 a 24 anos. “Esse projeto me ajudou a perceber como somos dependentes desse tipo fácil e rápido de comunicação”, ela conta. Minha média de mensagens também recuou bastante durante os cinco dias de abstinência: foram só 32, contra mais de cem que enviaria normalmente. E foi fácil perceber a diferença entre digitar um texto e escrevê-lo de próprio punho: a impossibilidade de corrigir as falhas instantaneamente nos obriga a pensar nas palavras com mais cuidado e acabamos nos expressando melhor.
ESCREVA PARA TIRAR DEZ
Em um estudo feito em Princeton e na Universidade da Califórnia, o psicólogo Daniel Oppenheimer, professor da UCLA, comparou o desempenho de alunos que usaram um notebook para registrar o conteúdo de uma aula com aqueles que escreveram as notas de próprio punho. Depois da exposição teórica, os alunos foram submetidos a um teste. E quem escreveu as notas à mão se saiu melhor. “Quando têm um computador, os alunos podem escrever cada palavra que o professor diz. Já quem está escrevendo à mão precisa ouvir a explicação com maior cuidado e anotar com suas próprias palavras”, ele esclarece. Isso motiva um processo mais profundo de aprendizado, que permite recordar os conceitos de maneira efetiva.
Em um estudo feito em Princeton e na Universidade da Califórnia, o psicólogo Daniel Oppenheimer, professor da UCLA, comparou o desempenho de alunos que usaram um notebook para registrar o conteúdo de uma aula com aqueles que escreveram as notas de próprio punho. Depois da exposição teórica, os alunos foram submetidos a um teste. E quem escreveu as notas à mão se saiu melhor. “Quando têm um computador, os alunos podem escrever cada palavra que o professor diz. Já quem está escrevendo à mão precisa ouvir a explicação com maior cuidado e anotar com suas próprias palavras”, ele esclarece. Isso motiva um processo mais profundo de aprendizado, que permite recordar os conceitos de maneira efetiva.
Preocupada com a tendência das escolas de abandonar a escrita à mão, a psicóloga Karin James, da Universidade de Indiana, coordenou uma outra pesquisa. Ela exibiu diferentes letras em fichas para crianças não-alfabetizadas e pediu que elas reproduzissem o que tinham visto de três maneiras diferentes: digitando a letra correspondente no teclado, desenhando seu traçado em uma linha pontilhada e escrevendo de maneira livre. Um aparelho de ressonância magnética constatou que, quando as crianças digitaram ou desenharam sobre a linha pontilhada, o estímulo cerebral foi significativamente mais fraco (veja o box).
Para colaborar com a preservação da escrita à mão, o programador alemão Falk Wolsky criou a VibeWrite, uma caneta que detecta o traçado das palavras por meio de um sensor e emite uma vibração quando constata um erro. O usuário pode escrever em qualquer superfície e um dispositivo sem fio reproduz a mensagem no celular. Jessica White, porta-voz da VibeWrite, já escolheu seu público-alvo: “Queremos que a caneta seja usada pelos médicos. Eles podem escrever as receitas e já transferi-las para o computador”. Parece que a classe dos farmacêuticos já planeja fazer lobby para trazer a caneta ao Brasil.
UMA MÃO PARA O CÉREBRO
Escrever de próprio punho produz estímulos cerebrais mais intensos
Escrever de próprio punho produz estímulos cerebrais mais intensos
Na pesquisa conduzida pela psicóloga Karin James, as crianças que desenharam de modo livre exibiram um aumento de atividade cerebral em três áreas intimamente relacionadas ao processo de cognição de escrita e leitura.
Extraído da Revista Galileu Online
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