Mitos do atraso
22 de outubro de 2012 | 13h29
José Paulo Kupfer
Os gargalos educacionais que afetam, desfavoravelmente, a
competitividade da economia brasileira fazem parte daquele amplo rol de
problemas complexos para os quais é possível listar uma série de
soluções simples – e, em geral, totalmente equivocadas. É longa a lista
de equívocos.
Resiste, bravamente, na cabeça de quem faz esse rol de diagnósticos equivocados, a ideia de que a qualidade da educação brasileira depende da concentração de esforços e recursos no ensino básico, em detrimento do ensino superior. Disseminada e repisada há décadas, a proposta não passa de um absurdo lógico. Como almejar mais qualidade na educação básica sem professores preparados para a tarefa num ensino de terceiro grau qualificado?
Eis aí um aspecto chave da complexidade do problema. Somente ações integradas, que contemplem a cadeia educacional como um todo, da creche à pós-graduação, darão conta do enorme desafio. No centro dessas ações, não exclusivamente, mas com importância crítica, está o professor. Sem resolver a complexa equação de como valorizar e atrair jovens para a profissão, difícil encontrar lugar para otimismo.
Nesse quesito, de fato, a situação não é animadora. Nossos professores do ensino fundamental estão entre os mais mal pagos do mundo e sua renda média não ultrapassa 90% da renda per capital nacional. Um claro contraste com os professores dos países ricos que fazem parte da OCDE, cuja remuneração média é 17% superior à média salarial geral, e anos-luz de distância da Coreia, onde o salário médio dos professores é mais do dobro da média nacional.
Não se trata, também diferentemente do que se costuma imaginar, apenas de uma questão de escassez de recursos. Os gastos brasileiros com educação não diferem muito do que é aplicado até mesmo em países desenvolvidos. Aqui são destinados 20% da renda per capita à educação de cada aluno do ensino fundamental, índice não tão distante dos 26% nos países da OCDE e acima do que gastam, por exemplo, Chile e México. A Coreia, o modelo educacional que todos gostariam de replicar, com 30% da renda per capita por aluno, é um ponto fora da curva.
São bem conhecidas as mazelas da educação brasileira. Mesmo nos aspectos quantitativos, em que os progressos são lentos, mas visíveis, lacunas imensas confirmam a profundidade do problema. Metade dos estudantes brasileiros, por exemplo, apresenta atraso escolar em relação à faixa etária e a evasão, em segmentos críticos como o dos adolescentes entre 15 e 17 anos, tem aumentado.
Nos aspectos qualitativos, o retrato que se revela também tem tons escuros. Os índices de analfabetismo funcional são alarmantes, alcançando inclusive pessoas com suposta formação superior. Na população entre 15 e 64 anos, um em cada três brasileiros apenas consegue ler e compreender mensagens simples ou realizar operações aritméticas rudimentares.
Apesar dos desarranjos e dificuldades, seria possível remover mais rapidamente as barreiras à melhoria da qualidade da educação brasileira com diagnósticos e ações menos distorcidas e cristalizadas. Para começar, quando se trata de pensar nos meios mais eficazes de ajustar a qualidade da formação de mão de obra às necessidades do mercado de trabalho, é comum cometer o equívoco de colocar toda a responsabilidade da superação do problema nos ombros do processo educacional, sem incluir no esforço o próprio mercado de trabalho.
Dos sempre citados casos de sucesso da Alemanha, do Japão e, sobretudo, da Coreia chegam lições genéricas e parciais acerca do alto grau de eficiência na aplicação de recursos em educação. Mas não é costume entre nós lembrar o protagonismo das empresas desses países modelares no processo de indução de formação profissional e absorção de trabalhadores qualificados.
Um elemento fundamental para o êxito dos sistemas educacionais desses países é o estreito vínculos existente entre empresas e escolas. Essa integração não nasceu da descoberta genial de algum sábio pedagógico, mas, simplesmente, de uma necessidade decorrente da crescente capacitação tecnológica do setor empresarial. Não custa lembrar, a propósito, que, no Brasil, os investimentos totais em P&D, década após década, mal passam de 1% do PIB, metade pelo menos bancada pelo governo, enquanto na invejada Coreia esses investimentos suplantam 3% do PIB, dos quais dois terços são de origem privada.
A baixa aplicação de recursos em P&D pelas empresas brasileiras reflete demanda limitada de mão de obra qualificada, e se desdobra na desconexão empresarial, salvo honrosíssimas exceções, do sistema educacional de formação profissional. Dessa combinação negativa resulta uma distorção, representada pelo grande contingente de egressos das escolas técnicas que buscam diplomas universitários.
Diante dessa realidade, não está errado bater na tecla de uma formação de nível médio com currículos desenhados para atender mais de perto às necessidades do mercado de trabalho. Mas apostar somente nisso todas as fichas da qualificação profissional parece ser mais um equívoco entre os muitos que contribuem para o atraso na superação desse crucial desafio brasileiro.
(Esta é a versão completa da coluna publicada na série especial “Desafios Brasileiros”, edição conjunta do “Estado” e do “Globo”, nesta segunda-feira, sobre o tema mercado de trabalho e educação).
Resiste, bravamente, na cabeça de quem faz esse rol de diagnósticos equivocados, a ideia de que a qualidade da educação brasileira depende da concentração de esforços e recursos no ensino básico, em detrimento do ensino superior. Disseminada e repisada há décadas, a proposta não passa de um absurdo lógico. Como almejar mais qualidade na educação básica sem professores preparados para a tarefa num ensino de terceiro grau qualificado?
Eis aí um aspecto chave da complexidade do problema. Somente ações integradas, que contemplem a cadeia educacional como um todo, da creche à pós-graduação, darão conta do enorme desafio. No centro dessas ações, não exclusivamente, mas com importância crítica, está o professor. Sem resolver a complexa equação de como valorizar e atrair jovens para a profissão, difícil encontrar lugar para otimismo.
Nesse quesito, de fato, a situação não é animadora. Nossos professores do ensino fundamental estão entre os mais mal pagos do mundo e sua renda média não ultrapassa 90% da renda per capital nacional. Um claro contraste com os professores dos países ricos que fazem parte da OCDE, cuja remuneração média é 17% superior à média salarial geral, e anos-luz de distância da Coreia, onde o salário médio dos professores é mais do dobro da média nacional.
Não se trata, também diferentemente do que se costuma imaginar, apenas de uma questão de escassez de recursos. Os gastos brasileiros com educação não diferem muito do que é aplicado até mesmo em países desenvolvidos. Aqui são destinados 20% da renda per capita à educação de cada aluno do ensino fundamental, índice não tão distante dos 26% nos países da OCDE e acima do que gastam, por exemplo, Chile e México. A Coreia, o modelo educacional que todos gostariam de replicar, com 30% da renda per capita por aluno, é um ponto fora da curva.
São bem conhecidas as mazelas da educação brasileira. Mesmo nos aspectos quantitativos, em que os progressos são lentos, mas visíveis, lacunas imensas confirmam a profundidade do problema. Metade dos estudantes brasileiros, por exemplo, apresenta atraso escolar em relação à faixa etária e a evasão, em segmentos críticos como o dos adolescentes entre 15 e 17 anos, tem aumentado.
Nos aspectos qualitativos, o retrato que se revela também tem tons escuros. Os índices de analfabetismo funcional são alarmantes, alcançando inclusive pessoas com suposta formação superior. Na população entre 15 e 64 anos, um em cada três brasileiros apenas consegue ler e compreender mensagens simples ou realizar operações aritméticas rudimentares.
Apesar dos desarranjos e dificuldades, seria possível remover mais rapidamente as barreiras à melhoria da qualidade da educação brasileira com diagnósticos e ações menos distorcidas e cristalizadas. Para começar, quando se trata de pensar nos meios mais eficazes de ajustar a qualidade da formação de mão de obra às necessidades do mercado de trabalho, é comum cometer o equívoco de colocar toda a responsabilidade da superação do problema nos ombros do processo educacional, sem incluir no esforço o próprio mercado de trabalho.
Dos sempre citados casos de sucesso da Alemanha, do Japão e, sobretudo, da Coreia chegam lições genéricas e parciais acerca do alto grau de eficiência na aplicação de recursos em educação. Mas não é costume entre nós lembrar o protagonismo das empresas desses países modelares no processo de indução de formação profissional e absorção de trabalhadores qualificados.
Um elemento fundamental para o êxito dos sistemas educacionais desses países é o estreito vínculos existente entre empresas e escolas. Essa integração não nasceu da descoberta genial de algum sábio pedagógico, mas, simplesmente, de uma necessidade decorrente da crescente capacitação tecnológica do setor empresarial. Não custa lembrar, a propósito, que, no Brasil, os investimentos totais em P&D, década após década, mal passam de 1% do PIB, metade pelo menos bancada pelo governo, enquanto na invejada Coreia esses investimentos suplantam 3% do PIB, dos quais dois terços são de origem privada.
A baixa aplicação de recursos em P&D pelas empresas brasileiras reflete demanda limitada de mão de obra qualificada, e se desdobra na desconexão empresarial, salvo honrosíssimas exceções, do sistema educacional de formação profissional. Dessa combinação negativa resulta uma distorção, representada pelo grande contingente de egressos das escolas técnicas que buscam diplomas universitários.
Diante dessa realidade, não está errado bater na tecla de uma formação de nível médio com currículos desenhados para atender mais de perto às necessidades do mercado de trabalho. Mas apostar somente nisso todas as fichas da qualificação profissional parece ser mais um equívoco entre os muitos que contribuem para o atraso na superação desse crucial desafio brasileiro.
(Esta é a versão completa da coluna publicada na série especial “Desafios Brasileiros”, edição conjunta do “Estado” e do “Globo”, nesta segunda-feira, sobre o tema mercado de trabalho e educação).
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