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domingo, 22 de junho de 2014

ENTENDA TUDO SOBRE AS DOENÇAS OCUPACIONAIS

Publicado em 16 de Jun de 2014 por Clara Ribeiro para a Revista Viva Saúde Online

Elas chegam devagar e causam o maior problema na vida profissional e pessoal. Estresse, depressão e dores musculares são algumas das enfermidades causadas pela má qualidade no trabalho. Veja opinião do especialista em medicina do Trabalho


Texto: Sucena Shkrada Resk / Foto: Shutterstock / Adaptação: Clara Ribeiro
LER/Dort foram os primeiros danos físicos constatados no trabalho exercido por digitadores
nas linhas de montagem, que acabaram se difundindo em outras áreas
Foto: Shutterstock
O modo de organização do mundo moderno tem um efeito perverso em milhares de trabalhadores, que são vítimas das chamadas doenças ocupacionais, que em muitos casos podem ser incapacitantes. Segundo o vice presidente da associação nacional de medicina do Trabalho (anamT), Mário Bonciani, 10% das chamadas “doenças comuns” migraram para esse novo status, desde abril de 2007, quando houve a alteração da legislação previdenciária. com isso, as lesões por esforços repetitivos ou distúrbios osteomusculares (Ler/dort) relacionados ao trabalho passaram a somar-se a quadros de depressões e, inclusive, a diabetes e hipertensão, entre as doenças que mais acometem os empregados. Esse é um sinal de alerta para se apostar na prevenção, antes que a qualidade de vida no trabalho fique com os dias contados.
O que muda para o trabalhador com a introdução das novas regras quanto às doenças ocupacionais?
Mário Bonciani: Antes da atual legislação do Nexo Técnico Epidemiológico Previdenciário (NTEP), em vigor desde abril do ano passado, praticamente só os acidentes de trabalho eram considerados agravantes ao empregado. Hoje, o que é mais importante, e gera custos às empresas, são as doenças provocadas pelo trabalho. Com o NTEP, houve um aumento significativo de registros de casos, já que foi inserida uma lista de doenças de maior incidência, relacionadas a cada uma das profissões. As novidades foram, principalmente, a introdução de enfermidades infecciosas e parasitárias, tumores e patologias do aparelho circulatório na lista das doenças ocupacionais. Agora também é invertido o chamado ônus da prova. Isso significa que o trabalhador que estiver com determinada doença ocupacional — que conste na nova lista — está automaticamente protegido pela legislação. Com isso, os números de concessões de auxílio-doença, pelo Ministério da Previdência Social, tiveram um aumento de 134,67%. Passaram de 125.246 para 293.912, entre abril de 2007 e fevereiro deste ano, em relação ao período de maio de 2006 a março de 2007.
Você pode citar alguns exemplos de patologias que, a partir de agora, são consideradas ocupacionais?
Bonciani: Com o estudo realizado pela Previdência Social, provou-se que várias doenças tradicionalmente do trabalho eram omitidas pelo empresário. A tuberculose, a depressão, a dor lombar e a apendicite aguda, por exemplo, no setor de saúde, são agora automaticamente consideradas ocupacionais. Diabetes e hipertensão estão relacionados ao setor de vigilância (segurança). Depressão, aos segmentos hospitalar, de vigilância e têxtil, entre outros.
Quais são as doenças relacionadas ao trabalho com maior incidência no Brasil?
Bonciani: Sem dúvida, as lesões por esforços repetitivos (LER) ou distúrbiosos teomusculares relacionados ao trabalho (Dort) e os transtornos mentais são os mais prevalentes. Segundo o Ministério da Previdência Social, por exemplo, ocorreram 107.764 casos de LER/Dort entre abril de 2007 e fevereiro deste ano. Isso significa um aumento de 512,3% sobre o período de maio de 2006 a março de 2007. Já no caso dos transtornos mentais, houve um total de 8.930 casos entre abril de 2007 e fevereiro deste ano. A depressão é o estágio mais grave e não pode ser desconsiderado. Também é importante esclarecer que, quando se trata de acidente de trabalho, como um todo, ainda os envenenamentos, lesões e outras causas externas estão entre os principais motivos de afastamento do trabalhador.
Enfermidades como LER/Dort e depressão são reversíveis?
Bonciani: LER/Dort geralmente são reversíveis, sim, mas o processo é gradativo. Esses foram os primeiros danos físicos constatados no trabalho exercido por digitadores e nas linhas de montagem, que acabaram se difundindo em outras áreas. Para preveni-los, o ritmo de trabalho precisa estar adequado à capacidade do ser humano. O tratamento para LER/Dort geralmente é feito com anti-inflamatórios e sessões de fisioterapia. Já a depressão, deve ser tratada com psicoterapia e, quando necessário, medicamentos. Mas é bom lembrar que esta é uma doença grave e qualquer pessoa, mesmo sem predisposição, pode desenvolvê-la. Por isso, digo que é a mais incapacitante para o trabalho.
Como saber quando o trabalhador está no seu limite físico e mental?
Boncian: o problema começa a se agravar quando há alteração muscular e grande dificuldade de movimentação, que são sintomas do estágio mais grave da depressão. nessa etapa, a pessoa tem dificuldade para realizar tarefas simples, como pegar um copo. Por isso, o trabalhador deve estar alerta justamente aos primeiros sintomas de dor muscular, que geralmente são acompanhados de estresse emocional, irritabilidade e pouca tolerância fora do ambiente de trabalho. O que acontece, geralmente, é que o empregado se contém dentro da empresa, com medo de ser demitido, e leva o problema para casa. Daí, surgem dificuldades de relacionamento. Se essa pessoa não reagir aos seus problemas internos, estará promovendo a doença. É importante que os colegas, amigos e familiares estejam atentos às mudanças, para poder ajudar o trabalhador.
Houve alguma mudança nos últimos anos quanto aos tipos de causa de acidentes e doenças de trabalho?
Bonciani: Danos clássicos decorridos do trabalho são acidentes e doenças ligadas a agentes químicos (chumbo, metais pesados etc.) ou físicos (ruídos), que ainda afetam o trabalhador da indústria, embora esteja diminuindo o número de vítimas no Brasil nas últimas décadas. Durante a ditadura militar, por exemplo, o país era campeão nessas estatísticas. Com a modificação do processo produtivo, na década de 1990, houve alteração do perfil de adoecimento e surgiram novas doenças em razão da forma de organização do trabalho. Houve um aumento das jornadas de trabalho, da produção, do ritmo acelerado e da relação de trabalho irregular, que constituem elementos de agressividade psíquica. Daí aparecem a LER,tendinites, doenças de ombro, e os transtornos mentais como estresse, síndrome de burnout (esgotamento do processo mental) e depressão. Todas elas acarretam baixa produtividade e problemas narelação familiar. Muitas exigências, jornadas múltiplas e vínculos empregatícios irregulares desencadeiam o processo. com isso, o Ministério do Trabalho começou a se preocupar com esse novo quadro e foram criadas melhores condições ergonômicas (estudo da relação do trabalhador com o trabalho), nos anos 1990. 
A “desorganização” no trabalho contribui para o adoecimento do empregado? Como? 
Bonciani: o processo se estabelece com pressão hierárquica, assédio moral, organização dos métodos de trabalho, que envolve acúmulo de funções, jornadas excessivas e exposição a riscos. Hoje já é possível verificar algumas melhorias em alguns setores, como construção civil, mineração, saúde e teleatendimento, nos quais foram criadas legislações específicas. Na área de saúde, por exemplo, começou a haver uma preocupação com os agentes biológicos a que o trabalhador mantém contato, como as bactérias. Já no teleatendimento, com questões de ergonomia, para evitar LEr/Dort.
O que o próprio trabalhador pode fazer para diminuir a incidência dessas patologias?
Bonciani: É preciso que cada profissional tenha a consciência de que deve ter um regime de trabalho compatível com sua capacidade física e mental. As pessoas precisam ter a percepção de sua relação com o trabalho. Caso contrário, vão levar seus problemas profissionais para casa e começar a colocar a culpa até no cachorro. O trabalho deve ser motivo de satisfação e não de sofrimento. Quem considerar o sofrimento como algo normal terá seu trabalho transformado em doença. Já as empresas podem criar mecanismos de relaxamento mental, com ginástica laboral e jornada de trabalho regular.

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