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sábado, 29 de junho de 2013

Sexo e a organização da sociedade.


Fernando Reinach em Estadão On line em 29/06/13

Existem dois grupos de seres humanos, homens e mulheres, e a diferença entre eles depende da presença do cromossomo Y no genoma. Quando o Y está presente nos tornamos homens (XY), quando está ausente nos tornamos mulheres (XX). A novidade é a descoberta de que um mecanismo semelhante pode controlar a organização social e política dos seres vivos. Se o cromossomo estiver presente, a sociedade é controlada por um único líder; se estiver ausente, o poder é compartilhado entre diversos líderes.
Esse mecanismo foi encontrado na Solenopsis invicta, uma formiga conhecida no Brasil como lava-pés. É um bicho cruel que sobe rapidamente nas pernas do agressor, pica sem dó e provoca muita dor.
Faz anos os cientistas descobriram que somente uma parte dos formigueiros de lava-pés possuía uma única rainha, os outros possuíam múltiplas rainhas. Inicialmente se imaginou que essa diferença se devia ao processo de formação do formigueiro, mas logo os cientistas descobriram que essas duas formas de organização social eram determinadas geneticamente.
O gene responsável foi identificado e recebeu o nome de Gp-9. Esse gene existe em duas formas chamadas de B e b, que determinam o comportamento dos súditos da colônia (as formigas operárias).
Quando o operariado é do tipo BB (possui duas cópias da forma B do gene Gp-9), a colônia possui uma única rainha. Quando o operariado é do tipo Bb (possui uma cópia da forma B e uma cópia da forma b), a colônia tem múltiplos líderes (rainhas).
Nas colônias com uma rainha, as operárias matam qualquer formiga que "queira" se tornar rainha. É o povo defendendo o poder total para um único indivíduo.
O povo Bb tolera e ajuda o desenvolvimento de outras rainhas, permitindo o compartilhamento do poder. Mas essas operárias Bb não são bobas, elas matam qualquer formiga do tipo BB, garantindo que suas líderes sejam todas Bb, impedindo a ascensão política do tipo BB. É o povo garantindo o sistema democrático.
O resultado desse comportamento complexo é que a forma B do gene ocorre em ambos os tipos de colônias, mas a forma b só está presente nas colônias com múltiplas rainhas. O equilíbrio entre esses dois tipos de organização social é mantido ao longo do tempo porque as formigas do tipo bb não são viáveis, morrendo logo no início do desenvolvimento. Por esse motivo, a forma B nunca é extinta e sempre se formam novos formigueiros totalitários.
Recentemente, os cientistas descobriram que o gene Gp-9 produz um receptor de odor, mas era difícil de acreditar que uma diferença em um único receptor de odor poderia determinar dois tipos de comportamentos tão diferentes e complexos. Agora esse mistério foi elucidado. Na verdade, o gene Gp-9 faz parte de um conjunto de 616 genes que ocupam quase metade de um dos cromossomos dessas formigas. Esse grupo de genes é diferente no cromossomo B e no cromossomo b e é sempre herdado como um grupo, nunca se misturando. Assim, se uma formiga herda um cromossomo B, herda toda a coleção "B" desses 616 genes, mas se herda um cromossomo "b" recebe uma outra coleção dos 616 genes. A conclusão é que B e b são uma espécie de supergene, um segmento de DNA composto por uma coleção de centenas de genes, herdados em grupo, capaz de determinar dois tipos muito diferentes de comportamento social.
O interessante é que o único outro exemplo de um grupo de genes que determina grandes diferenças morfológicas e comportamentais é o supergene presente no cromossomo Y, responsável por determinar o sexo do indivíduo. Esta é a primeira vez que se descobre um outro supergene capaz de gerar, dentro de uma espécie, dois grupos de indivíduos com comportamentos muito diferentes.
A conclusão de que o mesmo mecanismo usado por uma infinidade de espécies para determinar se o indivíduo é um macho ou uma fêmea é utilizado por essa espécie de formiga para determinar se o indivíduo é um democrata, que defende colônias com poder compartilhado, ou um adepto e defensor da realeza, que vive em colônias com uma única rainha. Será que supergenes sociais existem em seres humanos?

* MAIS INFORMAÇÕES: A Y-LIKE SOCIAL CHROMOSSOME CAUSES ALTERNATIVE COLONY ORGANIZATION IN FIRE ANTS. NATURE VOL. 493 PAG. 664 2013
Fernando Reinach é biólogo

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