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Atrase uma hora no Brasil e ninguém nem
irá se importar muito. Mas, na Suíça, deixe alguém esperando mais que
cinco ou dez minutos e terá muito a explicar. Em algumas culturas o
tempo é elástico, em outras, monolítico. De fato, o modo como membros de
uma cultura percebem e usam o tempo reflete as prioridades da sociedade
e até sua visão do mundo.
Cientistas sociais registraram grande
diferença no ritmo de vida em vários países e em como as sociedades
percebem o tempo: se como uma flecha penetrando o futuro ou como uma
roda em movimento, onde passado, presente e futuro giram sem parar.
Algumas culturas combinam tempo e espaço: o conceito dos aborígenes
australianos do “tempo de sonhos” abrange não só o mito da criação, mas
também o método de selocalizar no campo. Mas algumas visões de tempo
interessantes, como o conceito de ser aceitável uma pessoa poderosa
manter alguém de status inferior esperando, parecem desconhecer
diferenças culturais. Elas são universais.
O estudo de tempo e
sociedade pode ser dividido em pragmático e cosmológico. Do ponto de
vista prático, nos anos 50, o antropólogo Edward T. Hall escreveu que as
regras de tempo social compõem uma “linguagem silenciosa” para
determinada cultura. As regras nem sempre são explícitas, analisou ele,
mas “subentendidas... Ou são cômodas e familiares, ou erradas e
estranhas”.
Em 1955, ele descreveu na Scientific American
como percepções diferentes de tempo podem levar a mal-entendidos entre
pessoas de culturas diversas. “Um embaixador que espera um visitante
estrangeiro mais que meia hora deve entender que se este último ‘mal
murmura uma desculpa’ isto não é necessariamente um insulto”,
exemplifica. “O sistema de tempo no país estrangeiro pode ser composto
de unidades básicas diferentes, então o visitante não está tão atrasado
quanto parece. Deve-se conhecer o sistema de tempo do país, para saber a
partir de que ponto as desculpas são realmente necessárias... Culturas
diferentes atribuem valores diversos para as unidades de tempo.”
A
maioria das culturas do mundo agora usa relógios e calendários, unindo a
maior parte do globo no mesmo ritmo geral de tempo. Mas isso não
significa que todos acertem o mesmo passo. Algumas pessoas se estressam
com o ritmo da vida moderna e o combatem com o movimento “slow food”
enquanto em outras sociedades as pessoas sentem pouca pressão no
gerenciamento do tempo.
“Uma das curiosidades do estudo de tempo
está no fato de ele ser uma janela para a cultura”, avalia Robert V.
Levine, psicólogo social na California State University em Fresno. “É
possível obter respostas sobre valores e crenças culturais: uma boa
ideia do que importa para as pessoas.”
Levine e seus colegas fizeram estudos do “ritmo de vida” em 31 países. Em A geography of time,
publicado pela primeira vez em 1997, Levine descreve a classificação
dos países usando três medidas: velocidade para andar nas calçadas
urbanas, rapidez de um funcionário do correio em vender um simples selo e
a precisão dos relógios públicos. Baseado nessas curiosas variáveis ele
concluiu que os cinco países mais rápidos são Suíça, Irlanda, Alemanha,
Japão e Itália e os cinco mais lentos, Síria, El Salvador, Brasil,
Indonésia e México. Os Estados Unidos ocupam a 16º lugar, próximo ao
mediano.
Kevin K. Birth, antropólogo no Queens College, examinou a percepção de tempo em Trinidad. Seu livro, Any time is Trinidad time: social meanings and temporal consciousness,
de 1999, se refere à desculpa comum dada para atrasos. Naquele país,
observa Birth, “se você marcar um encontro para as 18h00, as pessoas
aparecem às 18h45 ou 19h00 e dizem: ‘Qualquer hora é hora em Trinidad’”.
Quando se trata de negócios, porém, esse enfoque informal do tempo só
se aplica para os poderosos. Um chefe pode chegar tarde e usar o refrão,
mas é esperado que subalternos sejam mais pontuais. Para eles, “horário
é horário”. Birth acrescenta que a paridade tempo-poder existe em
muitas outras culturas.
A natureza obscura do tempo pode
dificultar a tarefa dos antropólogos e psicólogos sociais. “Não se pode
simplesmente chegar numa sociedade, se aproximar de alguém e perguntar:
‘Qual é a sua noção de tempo?’”, adverte Birth. “As pessoas não terão
resposta. Então, tente outros meios para descobrir isso.”
Birth
tentou descobrir o valor do tempo para os trinitinos, explorando a
proximidade entre o tempo e o dinheiro na sociedade. Avaliou populações
rurais e descobriu que fazendeiros, cujos dias eram ditados por eventos
naturais, como o nascer do sol, não reconheciam o provérbio “tempo é
dinheiro”, “economizar o tempo” ou “gerenciar o tempo”, embora tivessem
TV por satélite e estivessem familiarizados com a cultura popular
ocidental. Já os alfaiates das mesmas áreas tinham essa noção. Birth
concluiu que o trabalho assalariado alterou o ponto de vista dos
alfaiates. “As ideias de associar tempo a dinheiro não são globais”,
esclareceu ele, “mas atreladas à profissão e à pessoa que a exerce.”
A
forma de lidar com o tempo no cotidiano não está relacionada ao
conceito de tempo como entidade abstrata. “Muitas vezes há uma separação
entre como uma cultura encara a mitologia do tempo e como as pessoas
pensam a respeito do tempo em suas vidas,” relata Birth. “Não pensamos
sobre as teorias de Stephen Hawking do mesmo modo que sobre a rotina
diária.”
Algumas culturas não distinguem claramente passado do
presente e do futuro. Os aborígenes australianos, por exemplo, acreditam
que seus ancestrais rastejaram para fora da Terra na época do tempo dos
sonhos. Os ancestrais “cantaram” o mundo para criá-lo, nomeando cada
característica e ser vivo, o que os fez existir. Mesmo hoje uma entidade
não existe a menos que um aborígene a “cante”.
Ziauddin Sardar,
autor e crítico britânico muçulmano, escreveu sobre o tempo e culturas
islâmicas, especialmente a seita fundamentalista wahhabista. Os
muçulmanos “sempre carregam o passado consigo”, afirma Sardar, editor da
revista Futures e professor convidado de estudos pós-coloniais
da City University, em Londres. “No Islã o tempo é uma tapeçaria que
incorpora o passado, o presente e o futuro. O passado é sempre
presente.” Os seguidores do wahhabismo, muito difundido na Arábia
Saudita e entre os membros da Al Qaeda, buscam recriar os dias idílicos
da vida do profeta Maomé. “A dimensão mundana do futuro foi suprimida”
por eles, segundo Sardar. “Eles romancearam uma visão particular do
passado. Tudo o que fazem é tentar repetir o passado.”
Sardar
afirma que o Ocidente “colonizou” o tempo ao divulgar a expectativa de
que a vida deveria se tornar melhor conforme o tempo passa: “Ao
colonizar o tempo, se coloniza o futuro. Acreditando- se que o tempo é
uma flecha, então o futuro seria o progresso, seguindo uma direção. Mas
pessoas diferentes podem desejar futuros diferentes.” |
Fonte: http://www2.uol.com.br/sciam/artigos/relogio_das_culturas.html |
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